Eterna estudante de volta às aulas
Eu sou uma sortuda. Bem, verdade que nunca ganhei rifa ou bingo. Mas as coisas dão certo pra mim assim, sem querer.
Estava mais que ansiosa para o começo desse ano letivo. Primeiro, porque tinha sido aprovada para o 2o. ano do mestrado em Nantes e estava na lista de espera aqui em Angers. Lista de espera é para os fortes, já diria o meu irmão. Segundo porque fui aprovada para o 2o. ano do mestrado numa área bem diferente da(s) minha(s) área(s) de formação. Economia era justamente a minha segunda nota mais baixa, depois de estatística. Terceiro porque fui aprovada no 2o. ano do mestrado (já falei isso?!) o que significa que havia um primeiro ano. Que eu não fiz. Ai.
Já imaginava que minha sala seria composta de um bando de garotos nascidos depois da minha irmã, que nunca trabalharam na vida, altamente teóricos e fora da realidade. Que seriam uns metidinhos, já teriam sua turminha do primeiro ano, que me odiariam, me achariam velha, burra e sem-graça.
Mas eu falei que sou sortuda, né?! Pois então, fui chamada em Angers nas vésperas do primeiro dia de aula. E meus coleguinhas não têm nada do que descrevi na última linha do parágrafo acima. Pura sorte!
Diferentemente do que imaginava, entre os 24 alunos, apenas quatro fizeram o primeiro ano juntos. Os outros 20 vêm de todos os cantos da França, sem exagero. Há duas estrangeiras: eu e uma romena. As formações também são variadas. A maioria vem de economia mesmo, mas há vários de geografia e alguns de história, ciências sociais e direito. São todos gente boa e já fizemos vários apéros e soirées (traduzindo: já saímos pra beber à tarde e à noite).
Todas as minhas aulas acontecem no campus que fica há um quarteirão de casa. Isso também foi sorte, diga-se, pois quando mudamos não sabíamos que aqueles prédios eram a universidade. Nos dias de auge de preguiça, saio da cama às 8h30 para o curso às 9h. Claro que me atraso assim mesmo.
Porém toda essa sorte não valeu para minha inscrição. Como não tem equivalente para o meu diploma, não sabiam onde me inscrever. Decidiram que era em geografia. Estaria tudo bem se geografia não ficasse num bairro longe pra caramba: 20 minutos de ônibus! -- Vejam só como meu conceito de longe e perto mudou, (re)virei interiorana!
Precisei ir nove (nove!) vezes ao outro campus e esperar quase duas semanas para enfim conseguir me inscrever. Quando olho minha carteirinha de estudante, tcharam: Aline Mariane Sobrenome-do-Loic!!! Grrr!!! Gente, eu não tenho nome de casada, nunca escrevo o sobrenome do Loic em lugar nenhum, porque raios insistem em mudar meu nominho lindo que meus pais escolheram com tanto carinho?! Até reparei que passaram corretor onde escrevi meu sobrenome e corrigiram! A secretária disse que levaria pelo menos mais duas semanas para re-corrigir. Vai ficar assim mesmo, pois não quero fazer mais 20 minutos de ônibus.
Alguns causos pra vocês verem como eu me divirto na faculdade:
>> Primeira aula de direito, faço uma lista de siglas que a professora falou durante a aula e eu não fazia ideia do que significava. Para todo mundo, eram dessas siglas que a gente está cansado de ouvir, tipo IBGE, PAC ou LDB. Não pra mim. Segunda aula, a professora toda atenciosa sobre meu comentário, reforça a primeira sigla do dia:
- TER, Train Express Régional
Só quem nunca pegou trem numa estação do interior da França pra não conhecer, pois há uma vozinha feminina que anuncia cada partida e cada chegada reforçando a tal sigla...
>> Sem querer (não comentei que era sortuda?) fiquei no grupo que faria a primeira apresentação oral ou exposée. Como tema: indústria aeroespacial, chatérrimo. Caprichei no Power Point, aprendi muitíssimo bem a minha parte, seria a primeira a falar. Tudo parecia afinadíssimo até que...
Eles leram a apresentação! Sim, le-ram, le-tra-por-le-tra. Enquanto eu treinei mil vezes na frente do espelho, escolhi palavras que não me enrolaria com a fonética, preparei notas para não me esquecer dos detalhes... eles leram! Nem me assustei quando nas apresentações seguintes, todo mundo leu. Também nem deve ser tão estranho assim, tenho professores que lêem suas aulas. Didática e expressão oral não é o forte desse mestrado...
>> Professor todo atenciso, ao dar referências históricas:
-- Precisão para nossas amigas brasileira e romena: o Antigo Regime é o tempo dos reis, antes da Revolução.
Ooh, além de estrangeiras, também perdemos as aulas de história do primário!
>> Tem uma professora que simplesmente não consegue entender o que eu falo. Mas eu sou insistente:
eu: Madame, o que é x?
O x da questão era um x mesmo, numa equação.
ela: Você tem um dicionário com você?
eu, cara de ponto de interrogação: não...
ela: Você pode trazer um dicionário e usar durante as aulas, não é proibido.
eu: ???
coleguinha salvador da pátria: Madame, o que ela está perguntando é o que é x nessa equação.
ela: Ah, x? Blá blá blá.
>> Saio do bandejão e escuto "Et j'ai crié, crié, Aline, pour qu'elle revienne...". Meus coleguinhas na varanda do prédio, cantando a minha música. Pra zoar com a minha cara, claro.
>> Primeira palestra em inglês, desespero total dos alunos. Tema indigesto: clusters agroalimentares no Japão. Depois de meia hora, alguém cria coragem e me pergunta (pois é, eu virei referência de inglês na minha turma):
-- O que significa network?
Vi um grande alívio de todos os que não tinham entendido nadica da palestra até ali. Isso me lembrou de uma chinesinha do curso de francês, também depois de meia hora de uma palestra sobre políticas de pesca da União Europeia:
-- O que é pesca?
Viram como sou sortuda?!